Share |

Viva o espírito do 25 de Abril!

Intervenção proferida na sessão extraordinária da Assembleia Municipal de 24 de Abril, comemorativa dos 40 anos do 25 de Abril.

 

Antes de mais quero expressar publicamente a minha sincera gratidão aos valentes Capitães de Abril que tiveram a coragem de se levantar e enfrentar o regime fascista e assim devolver a liberdade e a esperança ao Povo Português.

De entre todos estes militares de Abril, não posso deixar de referir e homenagear os nomes de dois destes que mais admiro: Salgueiro Maia e Melo Antunes.

Quero lembrar que este levantamento vinha acompanhado de um programa, o programa do MFA, chamado dos 3 Ds: Democratizar, Descolonizar, Desenvolver. Falarei aqui apenas de 2 destes Ds: democracia e desenvolvimento.

Com sangue-frio e generosidade, os militares de Abril conseguiram gerir o complexo e atribulado processo político e devolver todo o poder ao povo, porque democracia é isto mesmo: o poder do povo, por meio de eleições livres.

E isto deu-nos a Constituição da República Portuguesa, a lei fundamental do Estado de Direito democrático, onde estão consagrados os valores que são os pilares da democracia: a liberdade, a justiça social, os direitos humanos fundamentais: saúde, habitação, educação, trabalho, etc., em suma o direito que todos temos, TODOS sem exclusão, de ter uma vida digna, o direito à DIGNIDADE.

Quanto ao desenvolvimento, não há duvida que, pelos menos ao nível dos indicadores e das estatísticas, vivemos melhor do que há 40 anos. 

Mas será que vivemos TODOS melhor??? 

Sabemos que o fosso hoje existente entre os mais ricos e os mais pobres em Portugal é cada vez maior. Os índices de desigualdade social atingem recordes tão inaceitáveis como vergonhosos, e situam-se entre os mais altos da Europa!!!

Hoje, cerca de 1 milhão e 100 mil portugueses vivem em situação de pobreza extrema. Há mais 200 mil novos pobres desde 2010. Quase 2 milhões de pessoas vivem abaixo do nível de pobreza ou em risco de pobreza, segundo o INE. 

A taxa de desemprego ultrapassa os 15%. E isto não tem em conta os sub-empregados, nem os que desistiram de procurar emprego. O desemprego real atinge de facto mais de 25% da população activa. E não inclui os que tiveram de emigrar.

Nos últimos 3 anos, emigraram mais de 100.000 portugueses por ano, sendo que muito deles eram jovens com formação académica, a geração melhor formada de sempre do nosso país, formada com o dinheiro dos nossos impostos. 

Estes jovens foram, a conselho do primeiro-ministro Passos Coelho, contribuir para desenvolver outros países e farão muita falta quando quisermos inverter o famigerado ciclo da austeridade…

Tenho de lembrar aqui que a austeridade não começou com este governo PSD-CDS. Vem de traz, com o governo PS de Socrates e os PECs 1, 2, 3… Foram estes 3 partidos PS-PSD-CDS, que assinaram o memorando com a Troika, e depois, a mando da Europa, ou seja, da Sra. Merkel, assinaram o Tratado Orçamental.

Este Tratado Orçamental não é menos do que uma condenação do nosso país à austeridade permanente, e deixa o governo - qualquer que este seja, se não denunciar este tratado - sem meios de controlar e inverter ciclos económicos desfavoráveis e combater o desemprego, investindo na economia.

Tenho de lembrar aqui também que a destruição do Estado Social, o desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde, o ataque à Escola Pública, a redução dos direitos dos trabalhadores e a precarização do trabalho, 

em suma, o ataque às conquistas de Abril começou com o PS e foi reforçado com o governo PSD-CDS, a mando da troika. 

Aliás a direita nunca se teria atrevido a fazer uma tal politica de empobrecimento e destruição da classe média se não tivesse o pretexto e bode expiatório da Troika - e também, diga-se de passagem, a cumplicidade tácita e encapotada do PS!

Não nos iludamos! (Aqui vou citar o cineasta António-Pedro Vasconcelos que diz numa entrevista ao jornal “i” de hoje): «Há um plano ideológico por trás disto. Reduzir as pessoas a salários de miséria é aquilo a que chamam "ajustamento". É um ajuste de contas com o 25 de Abril. 

O que está a acontecer ao país é devastador e, se continuar, vai destruí-lo por muitos anos. Vamos ser uma nova Albânia, com mão-de-obra barata, escrava, com pessoas a aceitarem, por medo, condições de vida e de trabalho indignas. Se ninguém travar isto...»

Pois subscrevo por inteiro as palavras do A-P Vasconcelos: de facto as políticas de "ajustamento" não passam de um ajuste de contas com o 25 de Abril! Aqui está um resumo lapidar do estado da nação 40 anos depois do 25A!

E pergunto: 

Com estas políticas brutais de austeridade onde ficaram os valores de Abril? Onde estão os valores da social-democracia dos quais tanto o PS como o PSD se reclamam?!!! (já nem falo de socialismo!)

Que democracia é esta em que os partidos são eleitos com base num programa eleitoral, e, quando chegam ao governo, fazem exactamente o contrário do que prometeram, ou seja, quebram o compromisso com os seus eleitores?!!! 

Que democracia é esta em que os contribuintes têm de pagar a ganância criminosa dos banqueiros e outros especuladores, como é o caso do BPN e da Sociedade Lusa de Negócios - a SLN mudou de nome e chama-se agora Galilei-, e estes continuam impunes a tratar dos seus negócios, à vista de todos, perante uma justiça impotente?

Que democracia é esta quando os governantes assinam ruinosos contratos de PPP com os grupos privados (sempre os mesmos) assegurando-lhes rendas chorudas e sem risco à custa dos contribuintes?!!!

A triste verdade é que as democracias do mundo ocidental estão hoje em dia sequestradas pelo poder económico da alta finança. 

Vivemos aquilo que podemos chamar a ditadura dos mercados financeiros, isto é, com os governos supostamente democráticos controlados e manipulados pelos grandes interesses económicos, através da chantagem da dívida.

Quem imaginaria, 40 anos volvidos da Revolução dos Cravos, que seria possível chegar a um tamanho retrocesso político e social?

E, amanhã, os militares de Abril, proibidos de tomar a palavra na Casa da Democracia que é o Parlamento, celebrarão a data na rua, com o povo, no Largo do Carmo!

Foi para chegar a isto que se fez o 25A? Somos cada vez mais a entender que é preciso um novo 25A.

Viva o espírito do 25 de Abril!

25 de Abril sempre!